BOTAFOGO 1 X 0 FLAMENGO - 1989
Tudo poderia ser registrado em poucas linhas: Botafogo vence o Flamengo por 1 x 0 e conquista o Campeonato Carioca de 1989. Os 90 minutos do cabalístico 21 de junho de 1989, entretanto, merece página especial para contar um dos dias mais felizes na história do clube de Mané Garrincha. Sim, porque não foi um final de campeonato comum.
Em campo não estava um time qualquer. Estava o Botafogo, há 21 anos sem conquistar um título, há três anos sem vencer clássico carioca. Do outro lado, não havia um simples adversário. Era o Flamengo de Zico, campeão de tudo na década de 80, com a banca de Ter o futebol mais requintado do campeonato que chegava ao fim.
A bola vai rolar. É o segundo jogo da inesquecível final. No Domingo acontecera um nervosíssimo empate em 0 x 0. E lá vai o Flamengo tentando reviver o rolo compressor que marcara invejáveis cinqüenta gols até então. O passe é para o cérebro Zico, de onde devem sair todas as jogadas do time. Mas o camisa 10 do Flamengo, tantas vezes imarcável, agora nem sequer consegue dominar a bola. Encostado nele está o meio-campo Luisinho, 24 anos, que em sua carreira só vestira a camisa alvinegra. Cresceu ouvindo todo tipo de achincalhe contra seu time de coração por causa do jejum de títulos. Foi por isso que recebeu com prazer a missão dada pelo técnico Valdir Espinosa de marcar a principal ameaça ao esperado título. A garra e a determinação de Luisinho contagiaram logo todo o time, que passou a jogar à imagem de uma afirmação feita pelo outro meio-campo, Carlos Alberto. " Vamos dar o sangue se for preciso" , prometia ele logo após a definição de que enfrentariam o temível Flamengo nas finais.
Zico não consegue espaço para levar o time à área do Botafogo, mas o Flamengo não está morto. O cruzamento da esquerda vem à feição de Bebeto, o artilheiro do campeonato com dezoito gols, e a cabeçada sai fulminante no ângulo esquerdo. Num vôo espetacular, o goleiro Ricardo Cruz manda a bola a escanteio com a ponta dos dedos. Os botafoguenses começam a confiar mais. O time termina o primeiro tempo sem incomodar o goleiro Zé Carlos, mas esse detalhe não chega a amedrontar. Na memória da torcida ainda estavam bem frescos os lances de uma outra inesquecível partida, disputada contra o mesmo Flamengo no segundo turno do campeonato. O Botafogo perdia por 3 x 1 e estava tão perdido sob a chuva fina do Maracanã, que o mais otimista dos alvinegros torcia por ouvir logo o apito final do juiz, temendo uma goleada humilhante de Zico, Bebeto & Cia. Faltavam 10 minutos para o final, quando o zagueiro Gonçalves, tentando atrasar uma bola, encobriu o goleiro Zé Carlos e marcou contra. Como num passe de mágica, de encurralado o Botafogo partiu para o ataque e conseguiu o inacreditável empate a 1 minuto do final, nos pés de um ex-rubro-negro. " Naquele dia, pressenti que ninguém tiraria o título do Botafogo" , contava depois o meio-campo Vítor.
Mas naquela Quarta-feira o adversário não estava para falhas. E o jogo vai-se desenrolando em seus 45 minutos finais. Por momentos a torcida é obrigada a calar seu grito de guerra. E não é para menos. A falta é na entrada da área. Dali sempre foi meio gol para Zico. O chute, como sempre, sai seco, à meia altura, no canto esquerdo. Mas desta vez não balança a rede. E a nação alvinegra recupera a voz. " Ê, ê, ê, o Botafogo vai vencer..." entoa a torcida.
Sábio, decisivo coro. Algo de muito especial está por acontecer. E o lançamento do herói Luisinho para Mazolinha na ponta-esquerda desencadeia uma série de incríveis coincidências bem ao sabor dos supersticiosos botafoguenses: é o dia 21, o marcador do Maracanã marca 21 graus e Mazolinha prepara-se para fazer o 21º cruzamento do jogo aos 12 (21 ao contrário) minutos do segundo tempo. A bola vem alta, mais para o lateral-esquerdo Leonardo. Maurício sente a importância do momento e com um leve toque de mão, tira o zagueiro do lance. A bola cai no pé direito. É o primeiro chute do Botafogo à trave de Zé Carlos. É gol.
Era o que faltava para coroar a campanha rumo ao título invicto, agora mais perto do que nunca em 21 anos de sofrimento. E a certeza do fim do pesadelo aconteceu aos 43 minutos, quando a torcida não agüentou mais esperar e soltou o grito de campeão. Era emoção demais e vários jogadores caíram de joelhos ao apito final do juiz Válter Senra.
E a festa, aberta no gramado e nas arquibancadas do Maracanã, ganhou logo as ruas e os quatro cantos da cidade. Os personagens responsáveis por tanta alegria chamavam-se Ricardo Cruz; Josimar, Wílson Gotardo, Mauro Galvão e Marquinhos; Carlos Alberto, Vítor e Luisinho; Maurício, Paulinho Criciúma e Gustavo (e Mazolinha, que entrou ainda no primeiro tempo). Foram eles que decretaram o fim do " Parabéns a você" , doloroso hino de gozação aos torcedores alvinegros toda vez que o time pisava no gramado.